No homem existiu sempre, por lei natural, a inclinação para a posse; possuir uma coisa constituiu-se em todas as épocas um prazer, experimentado desde o momento em que se pensou na posse até seu alcance. Isto, naturalmente, dá um conteúdo à vida durante todo o tempo em que se mantém vivo o pensamento da posse. Há uma sensação agradável, que chega a presidir a vigília e até o sono, sobretudo quando se produz a aproximação ao desejado, e, enquanto dura e se realiza a aspiração, o ser vive feliz.
Apesar de a vida humana ser um constante possuir, a maioria ignora como é possível cumprir este desígnio sem que cada posse produza tormento e aflição, em vez de dar felicidade. Há que saber o que se quer possuir, e saber, também, se tal posse haverá de identificar-se com a vida e será elemento fértil para o cultivo de futuras prerrogativas. Deve-se possuir, então, aquilo que ofereça felicidade com projeções ao eterno, para que ela não seja efêmera. Esta verdade deve ser para cada um o sol que ilumine os dias da existência.
Muitas vezes se tem visto as pessoas sentirem felicidade enquanto buscavam por todas as partes do mundo a posse, por exemplo, de um selo, a qual manteve viva nelas a ilusão de encontrá-lo. Uma vez em suas mãos, é colocado em um álbum que se fecha, acabando ali a posse. Tal fato constitui a própria negação da posse, porque toda coisa nova que se possua deve enriquecer o acervo pessoal e tudo quanto forme a própria vida, aumentando a felicidade, a alegria e oferecendo uma nova possibilidade.
O homem pode traçar para si uma norma de conduta, procurando na posse de algo que lhe embeleze a vida, ou lhe dê conteúdo, o vigor do qual tanto necessita a alma nos momentos difíceis e que tão somente lhe pode dar a felicidade sabiamente experimentada e vivida, e a alegria e a confiança no que possui. Não é olhando para aqui e para lá, dizendo "isto me agrada, e isso também, e aquilo e mais aquilo”, como se poderia encontrar prazer, senão que esse prazer há de achar-se na segurança de sentir-se dono do que já se possui e em saber que ainda se pode chegar a possuir muito mais, com inteligência e bom juízo.
É necessário dar à vida um conteúdo, que pode ser aumentado pela qualidade das posses a que se aspire. O conhecimento é uma das posses a que mais deve aspirar o ser humano, visto que facilita a posse de tudo mais. Ainda que em determinado momento se perca integralmente o material, se conservarão intactas as posses espirituais. O material poderá ser reconstruído, poderá ser novamente possuído; mas nunca caia o homem na aberração da conquista material exclusiva, pois lhe faria perder o patrimônio do espírito, que é de essência eterna.
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